terça-feira, 7 de setembro de 2010

À meia-noite violarei o teu sigilo

Por Marli Gonçalves (*)


Parece filme de terror, com a ameaça à espreita. Estamos virando um país de bandidos. Vivemos cercados de ameaças travestidas de oportunidades e o clima pesa, trazendo um desconforto quase insuportável, sufocante tanto quanto o ar seco e poluído. O frio sem hora, o calor que vai e vem. Todos viramos reclamões. Nada está exatamente bem. Algumas coisas estão péssimas. E, sinceramente, anda difícil respirar e relaxar. 
(*) Marli Gonçalves é jornalista. Sabe que todo mundo, no fundo, tem um sigilo que teme ser quebrado. E que ninguém gosta de ser refém.  Tenha boa leitura - Pedro John
Sai mês, entra mês e a gente só vê as coisas piorarem para o nosso lado. As contas fazendo pressão, vazando para dentro na soleira pelo vão da porta, pagando serviços ruins, incompletos, muito caros. Culpa do sistema. Caiu o sistema. O sistema está lento. Um momento, por favor! Sua ligação está sendo gravada a partir deste momento. Anote o protocolo, nº 361.354.861.751.744.2551.211-2010N.

Só por aí já descobrimos que somos milhões reclamando!Trilhões de vezes. Como compensação moral, essas companhias todos os anos lideram as listas de piores serviços, e ganham como "maior número de denúncias". O que eles devem gostar. Só podem. E sabe por causa do quê? Como é que você vai se livrar deles? Só mudando de país, ou virando eremita. Temos que enfrentá-los no meio das barbaridades e modernidades. Telefônicas, operadoras de tevê a cabo, seguros-saúde, seguros-computador-celular-casa, seguros obrigatórios, companhias de luz, gás, água e esgotos, cartões de crédito. Vai! Encara! Vai ficar sem luz, sem gás, sem comunicação, na fila do SUS. Vai se fornicar todo.

Por exemplo: fica sem pagar um mês. Algumas destas, em 15 dias já terão cortado as suas libertárias asinhas de consumidor. Outras cobrarão juros tão extorsivos que você logo sentirá o que é ser escravo. Sem documentos, sem lenços, nome no SPC, BNH, INAMPS, BC, BB, JC, TJ, TS, ST, SJ, no BIBIBI e no BOBOBÓ.

Vamos ao ponto: e as informações a seu respeito - de todo esse mundo paralelo - estão aí, nesse meio, rolando entre eles, nos cadastrando, vendendo nossos endereços e hábitos e nos taxando. Onde, raro, houver concorrência, sempre tem a hora que eles passeiam de mãos dadas. A piada que no futuro "não poderíamos ligar para pedir uma pizza de calabresa porque o atendente teria nossa proibitiva ficha médica" é só uma piada. Se puderem, venderão a pizza casada com uma promoção imperdível de remédios para o colesterol alto, uma lixeira para o descarte da embalagem que, cortada, valerá um bônus para uma sobremesa. Topam tudo por dinheiro.

Por outro lado, no Governo, no Estado, no que deveria ser a nossa garantia, estamos fichados, oficialmente. Tento fazer você entender melhor como as coisas estão funcionando. Mal. Quando um Governo é descoberto USANDO o sigilo fiscal, do Imposto de Renda, do Leão, da Receita Federal, o escambau contra QUEM QUER QUE SEJA, é grave. Muito grave. Gravíííííssimo! Quando a gente fica sabendo que - pior! - alguns desses mesmos dados estão sendo vendidos nas esquinas do comércio popular, em CDs a "10 real" já nem acredita. Mas, se o cara tiver más intenções, corre lá para comprar, para locupletar-se também.

Estamos virando um país de bandidos? Onde bandido vota em bandido porque, afinal, também quero uma boquinha? Onde se fecha os olhos para a censura? Onde se desrespeita os direitos mais fundamentais e tudo bem porque (ainda) não é com você?

Muito mais do que dizer "somos todos Francenildos". Ou "somos todos essa tal de Verônica Serra". Estamos sendo é todos otários, idiotas, monitorados, dependentes, enrolados, controlados e usurpados.

Falei claramente? Com certeza, melhor do que os caras andam fazendo na televisão, imbuídos de seus ares sérios, sorrisos falsos e com seus terninhos bem cortados. Que falam termos que eu bem queria saber como são exatamente entendidos na linha final, onde autoritário é positivo; ser chefe. E o popular se confunde entre a palhaçada e a vitória do pobre. Onde poucos sabem o sentido e a forma das leviandades, muito menos das palavras.

É poste, sabonete, lideranças - tudo sendo vendido em embalagens que nós mesmos fornecemos as dicas - escuta só. Se tanto falam em pai e mãe, é porque devemos estar mesmo órfãos e eles querem nos adotar, nos dando doces, prometendo educação, saúde, a transposição do rio São Francisco, o trem-bala de chupar otário, crack só na Bolsa, coisas PACas. São as novas dentaduras, óculos, muletas. Compram (ou vendem) seus votos com base nas ilusões da maioria. Um jogo de espelhos, tendencioso.

Nada disso é novidade no mundo do papagaio de botinas, encarnado em maioral, e sua turma, cada vez avançando mais em áreas sensíveis, inclusive nos subterrâneos, dos mares. E da liberdade. Tudo muito flex, muito Filme B, chanchada. O empresário rico distribui bondades, faz implante de cabelo e fala em filosofia; já não tem mais a carcamana figura de Abílios, Samuéis, Hermínios.

Cuidado: filmes de terror costumam ter corvos disfarçados em outros pássaros, manos infiltrados. Bruxas que viram lindas princesas. Sapos barbudos que viram ditadores encastelados. Beijos e abraços de morte. Perigo a cada porta ou gaveta que se abre, e eles arrombam! Filmes de terror mostram experiências, inclusive com o sangue dos vampiros, que um dia explodem, levando o laboratório aos ares. Filmes de terror também trazem fantasmas que se levantam de seus túmulos, ectoplasmas, ou seres imortais, ressuscitados da lama e do pântano.

Está certo. OK. A sorte é que nem todas as mocinhas estão distraídas tomando banho no chuveiro e que há ainda cavaleiros e mineiros empreendendo batalhas, como Quixotes.

E, dizem, não há mal que sempre dure.

São Paulo, Central do Brasil, 2010, ou 5771

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