segunda-feira, 26 de maio de 2008

O RETORNO AO ESTADO NOVO E O NOVO CESARISMO

por: Waldo Luís Viana*

Em 1937, Getúlio deu um golpe de Estado e, com a ajuda dos militares, tornou-se ditador. Vargas era ortodoxo e conservador, em matéria econômica, e bastante autoritário em termos políticos. No entanto, ergueu modelo de gestão que forjou nossa infra-estrutura de desenvolvimento. O regime do Estado Novo, instaurado pela Constituição de 1937 em pleno clima de contestação da liberal-democracia na Europa, trouxe à vida política e administrativa brasileira as marcas da centralização e da suspensão dos direitos políticos.

Seu modelo de desenvolvimento baseou-se num Estado forte, em política de industrialização de substituição de importações e, num segundo momento, no capital externo, como desenvolvimento de risco. Tal modelo de Estado desenvolvimentista esgotou as possibilidades de sustentação econômica ao final da década de 70, tendo em vista a recessão ocorrida no país, no início dos anos 1980.

Vargas tinha apoio popular – projetando sobre a nação a imagem de “pai dos pobres” – instaurando de cima para baixo uma legislação trabalhista que acabou se tornando a geratriz do populismo. A “política de populismo” tratava-se de uma prática paternalista, clientelista e cartorial, na qual o Estado exercia tutela sobre a sociedade civil, os sindicatos e demais instituições, regulando a vida de tudo e de todos. O projeto populista de Vargas também incluía a promoção do desenvolvimento interno, com base na empresa nacional e sob a liderança da burguesia urbana.

Conquanto beneficiasse os trabalhadores com leis sociais avançadas, impedia-os de abraçar teorias socialistas que assombrassem de algum modo a elite industrial. Em nenhum momento de seu governo a questão agrária foi tocada. Embora haja favorecido o trabalhador industrial, não melhorou devidamente as condições dos trabalhadores rurais e braçais. Vargas revelou-se contraditório (também era chamado de “mãe dos ricos”) em nome de um projeto que julgava ser o melhor para o país, fechando o Congresso, reprimindo as liberdades públicas, isolando os descontentes, perseguindo os inimigos e impondo-se como estadista popular e divisor de paixões.

Lula elegeu-se sob a égide da “Carta aos brasileiros”, em 2002, convencendo a burguesia industrial e as classes médias medrosas de que não romperia com o regime capitalista, não quebraria contratos nem o regime jurídico regulatório e incipiente que nos governa. Ao prometer que não rasgaria a Constituição, como fez Getúlio, venceu as eleições, prosseguiu com a política ortodoxa, monetarista e fiscal de seu antecessor, aprofundando algumas políticas compensatórias de ordem social e paternalista.

Conseguiu enorme popularidade com o programa “bolsa-família”, principalmente entre as camadas pobres e chegou ao segundo mandato. Não precisou fechar o Congresso, mas, com a enxurrada de medidas provisórias oriundas do Executivo, praticamente paralisou um poder Legislativo desmoralizado, principalmente pelo escândalo do mensalão, ocorrido em 2005.

Lula, assim como Getúlio, fala diretamente ao povo, sem precisar de intermediários. Os partidos, no máximo, colonizam a administração inchada de seu governo, com uma máquina de quase 50 ministérios, divididos pelos aliados que formam uma coesa elite patrimonialista, ocupada em dividir cargos, interesses, influências e privilégios nos investimentos e obras públicas.

O presidente não superou a política populista de Vargas, pelo contrário. Aprofundou a influência das centrais sindicais e dos sindicatos pelegos, mantendo todos os seus privilégios, incluindo a não fiscalização de seus haveres e gastos pelo Tribunal de Contas, tomando, em troca, um apoio político que, em seu modo de ver, lhe garante a continuidade no poder.

Lula não é bobo, é muito esperto, embora tenha nascido de mãe “analfabeta”. Sua popularidade chegou ao auge e não tem para onde crescer, a não ser para a perigosa unanimidade dos regimes totalitários. Nélson Rodrigues diria que “toda a unanimidade é burra”, ao que acrescentaria, com humildade, “e muito perigosa”, porque encobre intenções ditatoriais.

A recente saída de Marina Silva, um grande truque de marketing que surpreendeu e enfureceu o próprio Lula, é um divisor de águas. Um antes e depois de “Cristo”! Antes, Lula ainda escutava o seu partido, aquele antigo do “Lula-lá-perseguindo-a-estrela” – lembram-se? – para agora emporcalhar a sua biografia, atrelado ao PMDB fisiológico de alguns governadores e senadores, interessados apenas em dividir o butim do Erário e das benesses. Esqueceu os valores, mas só pensa em “valores”.

É o apóstolo dos biocombustíveis, de uma trêfega política externa terceiro-mundista, emparedada por todos os lados por outros invejosos países emergentes, faz concessões absolutamente cosméticas às esquerdas, permitindo discutíveis cotas raciais, programas de primeiro-emprego e banco popular absolutamente fracassados, um programa Fome-Zero degenerado em inflação de alimentos, um projeto de obras públicas cujos orçamentos ainda não foram liberados, comícios intermináveis contra uma oposição completamente incompetente e insegura – enfim, trata da própria vida, procurando costurar um impasse político-institucional que conclame a sociedade a lhe pedir um terceiro mandato.

E Lula, docemente constrangido, baseado em pesquisas eleitorais que o alçam a níveis estratosféricos de popularidade – assim como Getúlio – o presidente-operário quer se transformar em novo César. “Vim, vi e venci” – sopra-nos ao ouvido. Não é “sacanagem pura”. Nada pode detê-lo no objetivo de imperador divino de “cuidar do povo brasileiro”.

Como todo proto-ditador, Lula não preparou sucessores. Os pretendentes são todos inferiores, balões de ensaio “in vitro”, incapazes de vingar “in vivo”. Ninguém tem seu carisma e é escutado pelo povo como ele. Os candidatos têm que convencer que são seus filhos, num regime presidencialista que raramente transfere votos. E Lula não apóia ninguém, a não ser quem não lhe ameace o próprio poder. Não tem amigos, tem assessores e vassalos.

Com César e Getúlio foi assim. O primeiro foi assassinado, por uma conspiração de senadores, e o segundo, por uma conspiração da burguesia, da alta classe-média e dos militares, o que o conduziu pela vergonha a dar um tiro no peito.

Com nosso César, a história não acabará como tragédia, mas sim, como farsa. Ele quer legislar sozinho, porque só ele sabe o caminho; não precisa de juízes, consertando os defeitos constitucionais de seu governo, porque magistrado é muito formal e só atrapalha; com os políticos ele não quer negociar fisiologicamente, porque lhe causa nojo e fastio; aos companheiros, ameaça sempre em lhes retirar o tapete, se não fizerem o que ele quer, porque ele é maior que os partidos que o defendem. Sobre os vários escândalos por que o seu curto período de governo passou, Lula tem a dizer que não sabe de nada. Nosso César só precisa de palco e povo. Seu Coliseu é o PAC (o palco) e seus leões famintos, os sindicatos e fundos de pensão. Pão (com trigo caro) e circo (futebol e TV) para o povo. A fórmula está pronta!

A nova aristocracia que o cerca, de sindicalistas, políticos fisiológicos de todos os calibres e a plutocracia de dentro e de fora, agradecidos com os juros altos, não têm qualquer pretensão revolucionária. O Estado, enquanto for maternal, alargando os impostos e os gastos públicos, hipertrofiado por enorme ineficiência, para eles está muito bem como está: “o hômi tá pagano...”

Lula não precisa de um Estado Novo, Brasília é a Nova Roma, uma prostituta, como disse certo tribuno e senador romano. Ela aceita tudo, desde que o poder continue condividido entre as elites predatórias e patrimoniais. O país espanta o mundo com as suas reservas profundas de petróleo, com o biocombustível e a destruição da Amazônia. O novo César quer reformar as Forças Armadas para que não “encham o saco”, colocando os generais, almirantes e brigadeiros em seus devidos lugares. Hoje, os militares são legalistas. Vão para a casa dormir, enquanto esperam as fórmulas mágicas e estrangeiras de Mangabeira Unger e do nosso Comandante Zero, que já rodou muita bolsinha – como disse em recente conferência no exterior.

Marina Silva caiu. A floresta amazônica continua desmatada e Roraima retalhada (pronuncia-se, segundo a mídia politicamente correta “Róraima, como Ângela Ró-Ró”). Os militares na caserna, caladinhos com o aumento salarial concedido e Lula coroado e feliz, colhendo uma floresta virtual de votos...

Regressamos ao Estado Novo, com um novo César e uma floresta virtual de votos! A Pátria está salva...

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*Waldo Luís Viana é escritor e economista.

Rio de Janeiro, 17 de maio de 2008.

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